Cotas para deficientes, são ações eficientes?
Recebi, de uma
amiga educadora, autora de livros e palestrante, muito respeitada e famosa aqui
no Brasil, um e-mail, mostrando-se indignada com um anúncio que viu no jornal,
oferecendo vagas a ”Portadores de Deficiência Intelectual”. Ela achou um
absurdo o termo utilizado e ainda, o fato de pedirem para anexar currículo e
dados dos familiares, como nome do pai, da mãe, etc.
Segundo a visão
dela, pedir currículo a pessoas que são chamadas de deficientes intelectuais
poderia ser considerado até mesmo como um certo “deboche”. E porque pedir dados
da família? Seriam eles incapazes de
fazer as entrevistas, sozinhos?
Ela não hesitou:
colocou sua revolta na rede e passou e-mail a algumas pessoas que lidam com
inclusão, pedindo que emitissem opiniões, para segundo ela, aferir “se estava ficado louca ou se aquilo não era
uma forma de preconceito”. Abaixo segue a resposta que enviei a ela.
Leiam, reflitam e tirem, vocês mesmos, suas conclusões.
Prezada Amiga,
Em primeiro
lugar, gostaria de registrar minha lisonja ao receber seu e-mail e ver que fiz
parte de uma lista de pessoas, cujas considerações seriam relevantes para você.
Inicio minha reflexão falando sobre o anúncio anexado, oferecendo vagas
de trabalho, com as atribuições e o público alvo das mesmas (no caso,
deficientes intelectuais).
Estas vagas se referem ao cumprimento da LEI Nº 7.853, DE 24 DE OUTUBRO
DE 1989, publicado no DOU de
25/10/1989. As principais disposições acerca do tema, encontram-se consubstanciadas
no Decreto n.º 3.298/1999 (que regulamentou a Lei no 7.853/1989) que dispõe
sobre a Política Nacional para a Integração das Pessoas Portadoras de
Deficiências.
A referida
lei, dentre outras estipulações, traz em seu bojo regras destinadas à inclusão
das PPD`s (Pessoas Portadoras de Deficiências[1]) no
mercado de trabalho, tanto assim, que seu artigo 36 I (repetindo o texto do
artigo 93 da Lei 8.213/91), determina que as empresas, com 100 (cem) ou mais
empregados, devem preencher de 2 (dois) a 5% (cinco por cento) de seus cargos
com beneficiários reabilitados da Previdência Social ou com PPD`s.
As
empresas que não cumprirem os percentuais de contratação declinados acima
poderão sofrer sanções na esfera administrativa (multas).
Particularmente,
considero esta lei uma grande vitória. Até que as pessoas (ou empresas, como
queiram) se conscientizem de que as pessoas com necessidades especiais não são
pessoas incapazes, a força de lei garante a eles uma chance, uma oportunidade
no mercado de trabalho.
Quanto ao fato de se colocar no anúncio que
as vagas são para “deficientes intelectuais” (este nome é usado pela OMS (Organização
Mundial de saúde) para pessoas que comprovadamente possuem déficts cognitivos),
também não vejo problema, pois, o que tem acontecido é que, a grande maioria
tem contratado apenas pessoas com deficiências ( que não tem um dedo, que tem
baixa visão, etc), deixando de lado as pessoas com algum tipo de incapacidade,
que continuam sem trabalho e sem nenhuma chance de mostrar o quanto podem ser
produtivas.
A Organização Mundial de Saúde (OMS)
elaborou e publicou uma Classificação Internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF) editada em 2003. No anexo 4(p.267) há
exemplificações de situações de :
Deficiência como: Perda ou anormalidade de estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica temporária ou permanente.
Incapacidade: Restrição resultante de uma deficiência da
habilidade para desempenhar uma atividade considerada normal que surge como
conseqüência direta ou resposta do indivíduo a uma deficiência.
A CIF, ao
focalizar a saúde, dá exemplos de deficiências que não têm, como conseqüência,
a limitação da capacidade ou do desempenho do sujeito. Uma pessoa que nasce sem
uma unha, por exemplo, apresenta uma deficiência de estrutura que não interfere
na função da mão ou nas atividades que pode realizar com ela.
Portanto,
o que o anúncio faz ao destinar as vagas para o público alvo “deficientes
intelectuais” é garantir que estas pessoas, com deficiência intelectual, que
tem verdadeiramente algumas incapacidades, (e que ainda são alvo de muitos
preconceitos!) tenham garantia de vagas de trabalho.
Quanto ao
fato de se pedir currículo e dados familiares, também vejo com pertinência, por
duas razões:
Primeiro,
o fato de uma pessoa se deficiente, não significa que ela não tenha realizações
ou escolarização a mostrar;
Segundo, é
importante a família acompanhar as PPD`s junto à empresa. São os familiares que
a ajudam a entender o comportamento do deficiente, suas reações e a melhor forma
como devem ser tratados. São eles também que fiscalizam os direitos dos
deficientes, assegurando-lhes que estão sendo remunerados adequadamente e que
não estão sendo vítimas de preconceito, exploração ou intimidação.
Lembre-se
de que estamos falando de deficientes mentais, que tem real limitação
cognitiva, de entendimento e pouca habilidade para se defender. Portanto, pedir
no currículo o nome dos pais, dados etc, não atrapalha em nada, só ajuda.
Atualmente
tenho atuado não somente com consultoria, palestras e treinamentos no âmbito
Educacional, e, embora timidamente, tenho atuado também no âmbito Empresarial.
È
importante ministrar palestras aos empresários para que eles promovam, em suas
empresas, encontros com o objetivo de disseminar, na mente de seus
funcionários, novos paradigmas em relação à diversidade e à convivência social.
O
principal desafio das empresas hoje, em relação a chegada das PPD`s é de ordem
RELACIONAL.
Quem está
na empresa não sabe se relacionar com as pessoas que chegam, pois ainda há o
modelo de que as PPD`s são improdutivas, não vão aprender nada, não vão dar
conta do trabalho... e as PPD`S que chegam, não sabem se relacionar no ambiente
de trabalho, pois a maioria nunca trabalhou antes, não tem qualificação etc.
Como
educadoras, nos resta fazer o seguinte:
Vamos
continuar lutando pela inserção das pessoas com necessidades especiais nas
escolas, pois, com escolaridade, com aprendizado, com ciência, com cultura,
estaremos formando cidadãos capazes de assumir seu verdadeiro papel na
sociedade.
Vamos ajudar as empresas a compreender este novo modelo de convivência: o da diversidade. È possível aceitar as diferenças, não só na escola, mas no mercado de trabalho também.
Para
evoluir, não é preciso excluir.
[1] Vale
ressaltar que não se usa mais falar que é uma pessoa é “Portadora” de
deficiência, com algo que ela pode colocar debaixo do braço e carregar para
onde quer que vá. A discussão existe, mas a lei ainda está escrita desta forma.
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