"Idade média ou idade mídia? Sobre o uso da tecnologia em ambientes educacionais"
Compartilho artigo publicado na Revista do
SIEEESP (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de São Paulo).
Por Priscila Pereira
Boy- Pedagoga, Diretora da Priscila Boy Consultoria, escritora e palestrante.
Marcado por mudanças
significativas, o século XXI coloca a escola diante de um grande desafio:
repensar a sua forma de ensinar. Estamos vivendo em um mundo globalizado, de
afirmação das diferenças e mudança de paradigma. O avanço da tecnologia
impactou totalmente as relações sociais, a forma de agir, pensar e de se
comunicar e por isso nos impõe novas formas de agir.
Lidar com novas
possibilidades requer ousadia e humildade. Ousadia para quebrar modelos
antigos, desconstruir práticas já consolidadas e lidar como o inesperado.
Humildade para reconhecer que o que sabemos sobre tecnologia pode ser
insuficiente para superar os saberes dos alunos e por isso, temos que nos abrir
para aprender com eles.
Os alunos: Os
nativos digitais
Estamos diante da
geração que nasceu com a existência da tecnologia e por isso não enfrentam
barreiras frente a ela. São os chamados “nativos digitais”. Esta geração já
nasceu conectada e tem um relacionamento íntimo com o universo digital. É muito
bem informada e há necessidade de nos prepararmos para dialogar com ela. De
acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil, crianças de seis anos já estão
criando suas primeiras contas online. Mais de 80% dos jovens brasileiros entre
15 e 17 anos usam internet. Entre os 9 e os 17 anos, 90% possuem ao menos um
perfil em rede social. Podemos constatar uma verdade: cada vez mais cedo a
internet faz parte da vida dos nossos alunos. E de forma intensa.
Um outro levantamento,
este feito pela Amdocs Brasil, perguntou a adolescentes brasileiros se eles
gostariam de ter um dispositivo com acesso à internet acoplado ao corpo. 88%
deles responderam que sim.
É fato que a era
digital mudou a forma de agir, de se relacionar e também de aprender. Estamos
diante de uma sociedade marcadamente virtual e compartilhada. O limite entre o
real e o imaginário fica à mercê da indústria que determina um comportamento segmentado
e unilateral.
A escola precisa se
valer deste novo recurso e ensinar os alunos a lidar com esta ferramenta tão
poderosa.
Novas
tecnologias possibilitam novas metodologias
Faz-se necessário
repensar os modelos tradicionais de ensino para reflexões acerca do exercício
da cidadania digital: novos valores, novas posturas e novas metodologias.
Nessa perspectiva, a
inclusão de recursos digitais na escola possibilita a comunicação entre alunos
e professores, potencializa o interesse e motiva os alunos para a aprendizagem.
A proposta favorece uma educação baseada na aprendizagem significativa, isto é,
uma educação em que os alunos constroem significados atribuindo sentido àquilo que
aprendem e aplicam esse conhecimento no cotidiano.
Desta forma o ensino
passa a ter o foco na aprendizagem, com ênfase na formação de competências
múltiplas, no empreendedorismo, na solução de problemas, no trabalho em equipe
de modo colaborativo.
Rompem-se as barreiras
físicas e fomentam-se os ambientes colaborativos virtuais. E há ainda a
possibilidade da interação com outras culturas, porque o mundo virtual não tem
fronteiras.
Possibilidades
de uso das redes sociais e dos ambientes virtuais
São muitas as
alternativas de trabalho com a tecnologia.
Podemos usar uma multiplicidade de recursos e atuar de forma
interdisciplinar. Abaixo sinalizamos algumas possibilidades a serem adotadas no
cotidiano.
Sabemos que toda
informação, para fazer parte de estudos acadêmicos e ampliar o conhecimento das
pessoas, deve ter credibilidade e veracidade. Muitas são as fontes que o meio
virtual oferece, mas nem todas são confiáveis. Uma estratégia eficiente pode ser
orientar os alunos a procurar por especialistas que tenham perfil na rede e que
possam ajuda-los a tirar algumas dúvidas ou fornecer entrevistas e informações
confiáveis.
Abandone a Wikipédia
como fonte, pois Wikis são construídos de forma colaborativa, sem aferição de
veracidade e já foram identificadas muitas incongruências e inverdades nesta
fonte de consulta.
Outra proposta
interessante é orientar os alunos a entrar em contato com parentes distantes
para fazer pesquisas genealógicas ou com personalidades locais para discutir
matérias tratadas em sala de aula.
A criação de clubes do
livro online pode também aguçar o gosto pela leitura. Troca de livros, postagem
de sinopses, blogs com indicações de obras e críticas temáticas também podem
trazer bons resultados.
Para o ensino de novos
idiomas, a rede oferece múltiplas possibilidades. Conecte seus alunos com
pessoas de todo mundo. Se você é professor de inglês ou espanhol e possui
amigos do exterior que falam essas línguas, organize bate papos para que os
estudantes possam praticar os idiomas.
Para aqueles alunos que
não gostam muito de falar ou de expor suas opiniões em público, você pode
organizar atividades de participação online onde eles poderão participar
escrevendo sua opinião ou conhecimentos, o que ajudará você na hora de avaliar
a participação deles. Outra novidade que está sendo muito utilizada é a
Gamificação (ou, em inglês, gamification) que é hoje uma das apostas da
educação no século XXI. O termo complicado significa simplesmente usar
elementos dos jogos de forma a engajar pessoas para atingir um objetivo. A
gamificação torna as aulas mais atraentes e dialoga melhor com o universo dos
alunos. Pode-se oferecer prêmios para mudança de fases, criar avatares e
cenários, distribuir pontos e lançar desafios.
Na educação, o
potencial da gamificação é imenso: ela funciona para despertar interesse,
aumentar a participação, desenvolver criatividade e autonomia, promover diálogo
e resolver situações-problema.
Sabemos da importância
do ensino presencial e de algumas habilidades que este ambiente proporcionará
aos alunos. Por isso mesmo propomos um ensino híbrido, onde se pratique tanto o
ensino no ambiente virtual quanto no ambiente presencial.
Novas
metodologias pedem novos modelos de avaliação
A avaliação escolar
sempre foi um desafio. Muitos educadores ainda veem a avaliação como final da
etapa de ensino, mas, na verdade, a avaliação é um processo e não um momento
estanque em si mesmo.
E ainda, instrumentos
de avaliação não são necessariamente avaliação. É preciso avaliar sempre,
acompanhar, monitorar, mas o que realmente vai garantir a aprendizagem são as
intervenções que fazemos frente ao desempenho do aluno. A avaliação serve para
retroalimentar o planejamento. Ao avaliar, temos a clareza daquilo que foi
aprendido pelo aluno e daquilo que ainda precisa ser consolidado.
Diante das novas TIC`S,
faz-se necessário incorporar avaliações que dialoguem com o ambiente virtual.
Ambientes colaborativos virtuais de aprendizagem, avaliações online,
apresentações em vídeo, podcasts e muitas outras possibilidades.
Uma coisa importante a
ser observada é a necessidade de avaliar também individualmente o aluno, pois
precisamos garantir que as habilidades mínimas exigidas foram alcançadas.
A formação
continuada dos educadores
Se o educador
desenvolve bem o seu papel de mediador do conhecimento possibilitando essas
oportunidades de interlocução com as mídias, os alunos irão naturalmente
desenvolver habilidades e competências de criatividade e inovação com o uso de
dispositivos móveis. Cabe ao educador incentivá-los quanto ao uso, como uma
ferramenta de aprendizagem.
Projetos desenvolvidos
por meio de blogs, aulas interativas, explicação de fenômenos científicos
usando animação em stop-motion, criação de entrevistas, programas de rádio, uso
de portais e outras mídias alternativas incentivam a maior participação dos
alunos nas atividades escolares e proporcionam benefícios na aprendizagem. Usar
dispositivos móveis, como tablets, celulares e notebooks também constituem em
boas estratégias de diversificação das metodologias de ensino.
Há vários recursos de
aprendizagem que o professor pode desenvolver.
Porém, vale aqui um
alerta importante: De nada adianta tecnologias novas se as práticas continuam
velhas.
Vejo muitos professores
valendo-se das mídias e recursos digitais, mas com postura de aula tradicional.
Os arquivos funcionam apenas como PDF, ou seja, é como se digitalizássemos os
livros e, ao invés de papel, usássemos a lousa digital ou os dispositivos
móveis.
O professor só dará
conta desta nova forma de ensinar se for oferecido a ele formação continuada.
Ele precisa apropriar-se desta nova experiência, mesmo porque ele não é um
nativo digital. Muitos deles não se sentem seguros e nem confortáveis diante do
uso da tecnologia. Se não houver investimento na formação deles, estaremos
colocando em cheque todo o processo.
Criando
regras para o convívio digital
Com o uso contínuo das
redes virtuais, corre-se o risco de transigir algumas regras de boa convivência
que não podemos deixar de salientar. Como estamos propondo que a escola seja
incentivadora do uso da tecnologia, precisamos ser participantes também no trabalho
de educação para a cidadania e boa convivência.
É necessário informar e
educar os alunos sobre regras de convivência no meio virtual. Cuidados com a
segurança também devem ser dialogados para evitar assédios, abusos, oferta de
pornografia ou vicio nela, aliciamentos para o tráfico, para o terrorismo etc.
Muitas pessoas usam as
redes sociais para descarregar, atenuar suas frustações ou aplacar seus medos
na vida real. Diante do anonimato, as pessoas se trasvestem de “avatares”
virtuais e atacam os outros, falam coisas que jamais falariam na vida real.
Estas ofensas constantes são chamadas de cyberbulling.
Há práticas, das mais
bizarras e inimagináveis possíveis: usar fotos de pessoas mortas para perfis
falsos, ataque a imagem e índole de pessoas que já morreram, compartilhamento
de fotos comprometedoras e íntimas na rede pública, disseminação de boatos e
fofocas sobre colegas de escola, ataque indiscriminado à opinião das pessoas,
apelidos e muitas outras coisas.
O fato é que a rede
social tem seus benefícios, como a capilaridade, ou seja, seu alcance, mas pode
ser uma verdadeira arma de humilhação, difamação da reputação e da imagem das
pessoas, quando mal utilizada. É preciso dialogar com os alunos sobre isto e
principalmente: é preciso envolver a família neste processo.
Promovendo a
interação com a família:
A criação de regras
para um convívio digital é necessária e saudável. Sabe-se que o uso
incondicional e sem limites em qualquer situação pode ser desastroso. Esta
função extrapola os limites da escola. É fundamental envolver as famílias neste
processo.
Segundo o sociólogo
francês Pierre Bourdier, a socialização primária vem da família.
Entende-se por
socialização primária o espaço onde a criança aprende e interioriza a
linguagem, as regras básicas da sociedade, a moral e os modelos comportamentais
do grupo a que se pertence. Ela tem um valor primordial para o indivíduo e
deixa marcas muito profundas em toda a sua vida, já que é aí que se constrói o
primeiro mundo dele.
Compartilhe com as
famílias as iniciativas, Projetos e informações sobre o uso da tecnologia e das
redes sociais, reforçando ainda mais a relação e responsabilidade delas com a
educação dos filhos.
Barreiras a
serem vencidas:
A iniciativa de usar
recursos dos meios digitais na educação também tem seus entraves. Um deles é a
dificuldade que o professor tem, tanto em sua atualização quanto na
disponibilidade de tempo para interagir com estas novas mídias.
Atenta a isto, as
escolas devem formatar programas de formação continuada para os professores e
gestores e também dialogar com alunos e pais sobre essa novidade.
São muitas as
possibilidades, mas temos que superar as barreiras.
O mais difícil é abrir
a mente para novos rumos, desconstruir práticas e abrir mão de convicções. Isso
sim é a maior barreira para a mudança na Educação.
Bibliografia
BOY, Priscila Pereira.
Inquietações e desafios da escola. WAK editora,2010
Machado, Nilson
José. Epistemologia e Didática: as
concepções de conhecimento e inteligência e a prática docente. São Paulo:
Cortez, 1995.
Perrenoud,
Philippe. Avaliação: da excelência à
regulação das aprendizagens - entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.
Sacristán, J. G. e
Pérez Gómez, A. I. Compreender o
ensino..
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